top of page
Buscar

Mulheres e Motos

ree

Por Paulo "Papito" Franchetti


Eu me lembro... Eu tinha a moto mais linda imaginável: uma Ultra laranja e preta (cores oficiais e tradicionais da H-D, claro!), com suas malas enormes, seus alto-falantes enormes, faróis enormes, leds enormes, sirene enorme! Um maledicente poderia dizer que parecia uma árvore de Natal, tal a profusão de cromados e luzes, mas não lhe daríamos ouvidos: era, de fato, a H-D mais linda. Um dos últimos exemplares do “cromo-total”, antes da guinada da marca para o preto e o fosco.

Naquela viagem em grupo, liguei o rádio na frequência dos caminhoneiros: queria ouvir sobre possíveis problemas no trajeto. Quando me aproximava de uma jamanta, ouvi o motorista que vinha atrás dizer: “Olha aí, companheiro, que coisa mais linda vai passar pelo seu lado esquerdo”. Estufei o peito, ergui a cabeça e pilotei orgulhoso a minha Ultra. Mas, no exato momento em que passei ao lado do suposto admirador de motos, uma das pilotas me ultrapassou — e escutei o carreteiro gritar: “Que gata, meu Deus! Olha a bunda empinada!”.

Nesse instante, caí na real. Não era a minha Ultra laranja! Era a V-Rod. Ou melhor, era quem pilotava a V-Rod.

Então reconheci o óbvio: o enorme apelo que exerce, ao olhar masculino, a imagem de uma mulher pilotando sozinha uma motocicleta. Isso faz até uma Ultra ser ignorada... Mas por quê? Como explicar isso?

Certamente não é apenas a forma física. Antes mesmo de vermos a pessoa, percebemos um símbolo. A moto já sugere liberdade, potência e velocidade. Sugere também coragem e confiança, pois é — como dizia um amigo — um veículo pronto para cair, já que não tem pelo menos três rodas. Mas talvez o aspecto mais forte do símbolo esteja na tradução do título do filme icônico do motociclismo: "Sem Destino".

Assim, quando vemos uma mulher pilotando, associamos a imagem à de alguém que toma para si a liberdade de decidir o próprio caminho. Não é um ato casual, mas uma afirmação de autonomia. Para uma mulher, esse ato pode significar a ruptura com limitações sociais que, por séculos, tentaram definir seu lugar e suas possibilidades.

A presença feminina na moto carrega, portanto, um caráter de rebeldia, ainda que muitas vezes silenciosa. A moto, tradicionalmente associada ao universo masculino, desafia a ordem estabelecida quando é conduzida por uma mulher. Ao assumir o comando, ela contesta estereótipos. É como se dissesse: meu lugar não é ditado por convenções, mas pela minha escolha.


ree

Pilotar também exige força emocional. A força de buscar autossuficiência, mesmo diante dos desafios. A mulher na moto não apenas conduz o veículo: afirma sua potência interior, sua capacidade de traçar o próprio caminho, sem depender de validações externas.

Há também uma sensualidade nesse gesto, mas de modo muito específico. Não a sensualidade passiva comumente associada à figura feminina, e sim uma sensualidade ativa. Ela não está ali apenas para ser observada, mas para se afirmar. Seu corpo se torna extensão da máquina, e sua presença projeta autoconfiança. Não há na motociclista a fragilidade que tantas vezes se espera do feminino; há, sim, uma potência evidente e uma afirmação de liberdade. Quem já reparou nos cabelos ao vento, no corpo ora revelado, ora protegido pelas roupas de estrada, na postura firme que o ato de pilotar exige - pernas envolvendo o tanque, pés firmes nos pedais - sabe do que estou falando.

A moto, assim, torna-se palco de uma pequena revolução. Não uma revolução estridente, mas silenciosa — exceto pelo ronco do motor e pelo sopro do vento. A mulher que pilota declara, sem perder a feminilidade, que sabe o que quer e, sobretudo, que é capaz de ir atrás disso sem pedir permissão.


ree

Isso atrai e, ao mesmo tempo, assusta. Num mundo ainda marcado pela ética patriarcal — e especialmente no meio motociclístico, tradicionalmente masculino — a presença da motociclista pode parecer ameaça. Mas seria uma pena se assustasse mais do que encantasse. Porque o único temor que eu teria em relação a uma namorada motociclista é o mesmo que sinto por qualquer amigo querido que anda de moto: o temor da estrada — natural e até saudável.

Fiquei pensando nisso enquanto via, no sábado, as motociclistas do nosso HOG, em especial as minhas colegas diretoras — Andrea, Kaká, Lucimeire e Valéria — pilotas guerreiras, independentes, sempre animadas e com fome de estrada.

Por isso mesmo, celebrei mentalmente, durante a passagem das bandeiras, a das Ladies of Tennessee. Ladies of Harley - onde quer que exista um chapter, elas são parte da alma harleyra, são ainda um esteio da loja e, como disse, as operadoras de uma pacífica revolução.


 
 
 

3 comentários


Andrea Nantes
Andrea Nantes
22 de set.

“Isso atrai e, ao mesmo tempo, assusta”; triste mas é a realidade. A mulher independente e corajosa muitas vezes é vista como intimidadora mas não, somos sensíveis, frágeis em alguns momentos e tbem gostamos de ser cuidadas, amadas e valorizadas. A nossa independência não anula o desejo de parceria, carinho e proteção, pelo contrário, torna a relação mais rica, pois escolhemos estar ao lado de alguém não por necessidade, mas por vontade genuína. Obrigada pela linda crônica meu querido amigo e enquanto a gente não encontra esse homem corajoso, independente e seguro de si vamos curtir nossas máquinas e ser feliz não é mesmo???

Curtir
Valéria Garcia
Valéria Garcia
22 de set.
Respondendo a

Eu tb compartilho a mesma opinião

Curtir
bottom of page