Mulheres e Motos
- Rubens Gualdieri
- 21 de set.
- 3 min de leitura

Por Paulo "Papito" Franchetti
Eu me lembro... Eu tinha a moto mais linda imaginável: uma Ultra laranja e preta (cores oficiais e tradicionais da H-D, claro!), com suas malas enormes, seus alto-falantes enormes, faróis enormes, leds enormes, sirene enorme! Um maledicente poderia dizer que parecia uma árvore de Natal, tal a profusão de cromados e luzes, mas não lhe daríamos ouvidos: era, de fato, a H-D mais linda. Um dos últimos exemplares do “cromo-total”, antes da guinada da marca para o preto e o fosco.
Naquela viagem em grupo, liguei o rádio na frequência dos caminhoneiros: queria ouvir sobre possíveis problemas no trajeto. Quando me aproximava de uma jamanta, ouvi o motorista que vinha atrás dizer: “Olha aí, companheiro, que coisa mais linda vai passar pelo seu lado esquerdo”. Estufei o peito, ergui a cabeça e pilotei orgulhoso a minha Ultra. Mas, no exato momento em que passei ao lado do suposto admirador de motos, uma das pilotas me ultrapassou — e escutei o carreteiro gritar: “Que gata, meu Deus! Olha a bunda empinada!”.
Nesse instante, caí na real. Não era a minha Ultra laranja! Era a V-Rod. Ou melhor, era quem pilotava a V-Rod.
Então reconheci o óbvio: o enorme apelo que exerce, ao olhar masculino, a imagem de uma mulher pilotando sozinha uma motocicleta. Isso faz até uma Ultra ser ignorada... Mas por quê? Como explicar isso?
Certamente não é apenas a forma física. Antes mesmo de vermos a pessoa, percebemos um símbolo. A moto já sugere liberdade, potência e velocidade. Sugere também coragem e confiança, pois é — como dizia um amigo — um veículo pronto para cair, já que não tem pelo menos três rodas. Mas talvez o aspecto mais forte do símbolo esteja na tradução do título do filme icônico do motociclismo: "Sem Destino".
Assim, quando vemos uma mulher pilotando, associamos a imagem à de alguém que toma para si a liberdade de decidir o próprio caminho. Não é um ato casual, mas uma afirmação de autonomia. Para uma mulher, esse ato pode significar a ruptura com limitações sociais que, por séculos, tentaram definir seu lugar e suas possibilidades.
A presença feminina na moto carrega, portanto, um caráter de rebeldia, ainda que muitas vezes silenciosa. A moto, tradicionalmente associada ao universo masculino, desafia a ordem estabelecida quando é conduzida por uma mulher. Ao assumir o comando, ela contesta estereótipos. É como se dissesse: meu lugar não é ditado por convenções, mas pela minha escolha.

Pilotar também exige força emocional. A força de buscar autossuficiência, mesmo diante dos desafios. A mulher na moto não apenas conduz o veículo: afirma sua potência interior, sua capacidade de traçar o próprio caminho, sem depender de validações externas.
Há também uma sensualidade nesse gesto, mas de modo muito específico. Não a sensualidade passiva comumente associada à figura feminina, e sim uma sensualidade ativa. Ela não está ali apenas para ser observada, mas para se afirmar. Seu corpo se torna extensão da máquina, e sua presença projeta autoconfiança. Não há na motociclista a fragilidade que tantas vezes se espera do feminino; há, sim, uma potência evidente e uma afirmação de liberdade. Quem já reparou nos cabelos ao vento, no corpo ora revelado, ora protegido pelas roupas de estrada, na postura firme que o ato de pilotar exige - pernas envolvendo o tanque, pés firmes nos pedais - sabe do que estou falando.
A moto, assim, torna-se palco de uma pequena revolução. Não uma revolução estridente, mas silenciosa — exceto pelo ronco do motor e pelo sopro do vento. A mulher que pilota declara, sem perder a feminilidade, que sabe o que quer e, sobretudo, que é capaz de ir atrás disso sem pedir permissão.

Isso atrai e, ao mesmo tempo, assusta. Num mundo ainda marcado pela ética patriarcal — e especialmente no meio motociclístico, tradicionalmente masculino — a presença da motociclista pode parecer ameaça. Mas seria uma pena se assustasse mais do que encantasse. Porque o único temor que eu teria em relação a uma namorada motociclista é o mesmo que sinto por qualquer amigo querido que anda de moto: o temor da estrada — natural e até saudável.
Fiquei pensando nisso enquanto via, no sábado, as motociclistas do nosso HOG, em especial as minhas colegas diretoras — Andrea, Kaká, Lucimeire e Valéria — pilotas guerreiras, independentes, sempre animadas e com fome de estrada.
Por isso mesmo, celebrei mentalmente, durante a passagem das bandeiras, a das Ladies of Tennessee. Ladies of Harley - onde quer que exista um chapter, elas são parte da alma harleyra, são ainda um esteio da loja e, como disse, as operadoras de uma pacífica revolução.



“Isso atrai e, ao mesmo tempo, assusta”; triste mas é a realidade. A mulher independente e corajosa muitas vezes é vista como intimidadora mas não, somos sensíveis, frágeis em alguns momentos e tbem gostamos de ser cuidadas, amadas e valorizadas. A nossa independência não anula o desejo de parceria, carinho e proteção, pelo contrário, torna a relação mais rica, pois escolhemos estar ao lado de alguém não por necessidade, mas por vontade genuína. Obrigada pela linda crônica meu querido amigo e enquanto a gente não encontra esse homem corajoso, independente e seguro de si vamos curtir nossas máquinas e ser feliz não é mesmo???